A carta do Eremita fala de solidão — mas não de abandono. Trata-se da escolha consciente do isolamento, de quem já viveu muito e agora busca o silêncio para escutar a si mesmo. É o senhor do tempo, aquele que carrega dentro de si uma longa jornada. Um mestre, rei e, em certo sentido, um deus. Na mitologia, esse arquétipo pode ser associado a Cronos (ou Saturno, para os romanos). Casado com sua irmã Réia, teve diversos filhos — e, temendo ser destronado por eles, os devorava ao nascer. Um ato cruel, mas movido por um medo humano e profundo: o medo de perder o poder, o controle, o lugar no mundo. Ainda assim, Cronos reinou com sabedoria e justiça. Ele não era apenas um déspota — era um símbolo da ordem, da estrutura, da maturidade. Mas como todo ciclo, o dele também teve fim. Foi destronado por Zeus, seu próprio filho (que escapou de ser devorado), e exilado. Condenado a vagar, tornou-se um errante — um caminhante do tempo. Numa visão psicológica, essa figura representa o peso da experiência e a introspecção que o tempo exige. Assim como Cronos devorava seus filhos, o tempo nos devora. E ainda assim, nos ensina. O Eremita é aquele que já viu demais, que já foi rei, guerreiro, amante, filho, pai... e que agora se retira para carregar a luz da sabedoria — seu lampião — e apoiar-se no cajado da experiência. Quantas memórias ele guarda? Quantos sentimentos ficaram silenciados em seu coração? Figura introspectiva, sombria, mas também profundamente lúcida, o Eremita caminha devagar, mas firme. Seu silêncio fala mais que mil vozes. Seu olhar não busca o outro, mas o próprio centro. E ao pensar nele, me vem à mente uma canção... “Ah, eu caminhei”, de Benito di Paula. Há algo na melodia e na letra que soa como se viesse do próprio coração do Eremita. Talvez ele mesmo, em sua longa jornada, já tenha cantado esses versos para si — com saudade, com doçura, com a dignidade de quem viveu profundamente cada passo do caminho.